2.11.04

Cumplicidades

"Não sei se é do suão, do grego ou dos alísios, mas ando com uma dor nas costas!" - lamentou-se a velha árvore. "Hum... se calhar é da idade, pá!" - afiançou a velha pedra. "Talvez seja, mas ando com uma pontada estranha aqui no 15º ramo que me anda a tirar o sono" - retorquiu a primeira. "Insónias?" - perguntou a segunda - "então experimenta teres sempre alguém sentado em cima de ti e logo me contas o que é não conseguir dormir!"- concluiu. "Ai, ai... - suspirou a árvore envelhecida - o que eu queria mesmo era poder ir à praia, conhecer o mar, mergulhar os meus ramos e folhas naquela imensidão..." "Ai, sim? - ironizou a grande pedra - então depois logo me contas como é ser cortada em fatias, transportada em camiões, tratada em fábricas, trabalhada em estaleiros, transformada numa forma côncava, carregada de homens e carga e ser lançada ao mar." "Tu és tão cruel!" - choramingou a grande árvore - "Deixa-me sonhar e ser gaivota por um dia!" "Sonha, minha cara, sonha!" - exclamou, já exaltado o pedragulho - "mas deixa-te ficar aí de pé que fazes-me falta." "Como?" - perguntou a queixosa - "Sem a tua sombra ninguém se sentará em cima de mim. Deixarão de cravar em mim os amores de Verão. Serei apenas mais uma velha, grande e poderosa pedra."
[pausa]
"Ai, ai... Não sei se é do suão, do grego ou dos alísios, mas ando com uma dor nas costas!" - recomeçou a velha, sabedoura e companheira árvore.

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