2.1.14

2 de Janeiro

Não sou boa com datas. Nunca fui. Sei alguns aniversários, alguns feriados e recordo apenas uma ou duas datas marcantes na História de Portugal. Sei que o Natal é a 25 de Dezembro, a revolução foi a 25 de Abril e mudámo-nos para o Algarve, do "alto dos meus 8 anos", no dia 9 de Junho de 1988. Para Beja, vim no dia 8/8/2008 e a minha filha nasceu a 31 de um dos meses, para mim, mais tristes do ano.
Há uma data, no entanto, que me incomoda, corrói e faz sempre chorar, todos os anos, desde 2007. 02 de Janeiro. O dia de hoje.
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O Shumacker está doente, a morrer, num coma induzido. Teêm-me aborrecido as notícias na televisão sobre isso. Aborreceu-me ouvir, ontem, a sua assessora a dizer que está estável, mas num estado crítico. Quer isto dizer, portanto, criticamente estável. Ou melhor: nem melhor, nem pior - num estado irremediavelemente crítico. Foi isto que ouvi há uns anos da boca do médico que acompanhava a minha irmã no IPO, em Lisboa. Também ela estava num coma induzido, desde dia 19 de Dezembro. Para que não sentisse as dores, diziam os médicos. Estava em falência orgânica. Primeiro os rins, depois o fígado, os pulmões.... e por aí fora, como poderão imaginar. Como sempre aconteceu desde o início do seu tratamento, mais uma vez, os médicos e toda a equipa, foram incansáveis e muito humanos. "Esperaram" que celebrássemos (na medida do possível) o Natal e a passagem de ano. E só depois, no dia 02 de Janeiro de 2007, desligaram as máquinas. Pouco passava das 9 da manhã quando recebemos o telefonema. Sei que fizemos a viagem de Olhão até Sto. André (onde estavam os meus pais), mas não me consigo lembrar do percurso.
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Lembro-me de todos os familiares e amigos me dizerem "tens de ser forte pela tua mãe". Todos me pediram tanto que assim fiz. Chorei muito, compulsivamente, durante os primeiros dias. E depois percebi que teria mesmo de ser forte pela minha mãe. E fui, durante muito tempo. "Esqueci" a morte da minha irmã e a minha mãe passou a ser a minha preocupação. A minha avó, mãe da minha mãe, morrera 3 meses antes. Um ano e meio depois foi a vez do meu pai. Morreu subitamente, de uma foram estúpida, arrogante e sofrida. E quando percebi que a minha mãe, afinal, era mulher para aguentar também a perda do marido além da perda da mãe e da filha, percebi que eu própria, ainda não fizera o meu luto. Só quando me mudei para Beja e me afastei da vida que me "roubara" três pessoas que tanto amava, é que percebi que tinha muita dor cá dentro.
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Não vou mentir, a morte da minha irmã foi a maior dor que senti em toda a minha vida. Não consigo, ainda hoje, perceber este amor que não acaba, esta saudade que só aumenta e o choro que, repetidamente, teima em acontecer quando me lembro dela. Éramos muito próximas, muito cúmplices, muito amigas. Acho que nem sequer com a minha mãe tenho uma relação assim. E continua a doer sempre muito constatar que de nada serviu o transplante, e - pior - que a vida e o universo não olham a quem ceifam a vida.
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Aprendi a aceitar, e aceito, a sua morte. Custa-me muito mais aceitar o meu sofrimento e a minha dor. E o tempo de nada me serve. É mentira quando se diz que o tempo cura tudo. Neste caso, só sinto que o tempo é o meu pior inimigo. Não consigo, com tempo, apaziguar a saudade nem consigo voltar atrás para vivermos mais daquela alegria. Não lamento não termos passado mais tempo juntas. Tenho apenas pena que, na altura, não me tenha apercebido que a vida acaba, para todos. Teria dado mais importância a cada gargalhada, a cada música cantada em dueto, a cada confidência de adolescente, a cada abraço apertadíssimo! Que saudades dos teus abraços gigantes, mana!
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Faz hoje 7 anos que perdi parte de mim. E este dia, por muito que me custe, nunca será o segundo dia de um novo ano. Será sempre o último dia de uma minha vida.


1 comentário:

Anónimo disse...

Bem... relativamente a esta, obviamente, calo-me.
Beijinho Softy.

Pipi das Meias Altas