14.9.04

Caixas de Família

Família que se preze tem histórias para contar aos mais novos e aos vindouros. Tem cortinados que contam o que as paredes ouviram. Tem álbuns de fotografias antigas, manchadas pelo tempo e caixas de costura muito velhas. Família que se preze é grande e reúne-se uma vez por semana para abrir a Caixa de Pandora, no caso concreto deste conto, muito parecida com a caixa de costura de família. Ora, saberão os mais afoitos que abrir a Caixa de Pandora significa que uma pequena e bem-intencionada acção pode resultar numa avalanche de coisas negativas.
A família de que vos falo guardava na sua Caixa de Pandora a ferrugem dos dias vividos a cores, as linhas com que cosera os fatos de Carnaval há 40 anos atrás, o dedal sem cabeça que protegera os dedos da bisavó Júlia e, nos últimos tempos, guardava o enorme amor que sempre os unira. Claro, guardava também todas as verdades e mentiras de uns e outros mas, essencialmente, o Amor.
Seria pertinente contar, sem interrupções, as estórias que abotoam esta história de amor, mas dizem que não se deve abrir a Caixa de Pandora. Sabe-se apenas que é um Amor diferente, o desta família. Desconhece-se as linhas com que se cose, mas é garantido que este é um Amor livre, às cores, como os carros de linhas que ilustram as caixas de costura de famílias pouco importantes.
Resumindo e baralhando, já ninguém sabia onde é que havia de ir buscar uma agulha quando a peúga rasgava na frente do pé. Se à Caixa de Costura, se à Caixa de Pandora.
Um dia enganaram-se e da Caixa de Pandora não saiu a linha vermelha. Saiu o Amor e, como consequência, voou para longe a história da família de que vos falo. Mas também ninguém se preocupou. Ou importou. Afinal, histórias dentro de caixas perdem vida. Sejam de Pandora ou de costura.

[ler devagarinho, sem pressa de ser feliz]

Sem comentários: