A coisa mudou quando vim para o Algarve.
Casa nova, realidades diferentes, terceira classe, uma turma nova, professora nova. Sentei-me onde ninguém queria: ao lado do José Carlos. Era um rapaz como os outros, mas gaguejava. Não me emprestou o seu livro de leitura, que eu não tinha ainda. Deixei-me ficar ao lado dele.
Eu já lia correctamente, ao contrário da maior parte da turma. O José Carlos, além das dificuldades linguísticas, tinha o problema da gaguez. Eu li, a professora adorou, elogiou-me até mais não poder. O José Carlos tentou ler, gaguejou, tremeu, enervou-se e apanhou da professora Júlia: "Viste como ela leu? Assim é que se lê, meu palerma! Gago! Que vergonha!"
A história passou-se assim, nem mais nem menos.
Resultado - no dia seguinte sentei-me sozinha. Nunca mais me ofereci para ler textos. Nunca mais levantei o dedo para dizer a resposta certa. Tive medo que alguém apanhasse por minha culpa.
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