1.11.04

Roxo sobre Azul

As nódoas roxas das amoras nunca saíram do vestido azul que trazia naquele dia. As memórias cor-de-rosa também não. Lembro-me que vos levei dentro da caixa de sapatos até à amoreira mais próxima que ficava tão longe, naquela altura. Vocês estavam esfomeados e a alface nunca fora uma boa opção. Levei-vos comigo para que, depressa, pudessem saciar a fome. Alcei a perna, arranhei o joelho esquerdo na subida e o direito na descida. Apanhei-vos as folhas, meti-as na caixa e observei-vos durante alguns largos (tão largos!) minutos a mordiscarem lentamente o verde. Depois deixei-vos à espera no chão. Voltei a alçar a perna, desta vez para comer as amoras, grandes e gordas, suculentas.
Fui tão feliz!
Dessa tarde ficou-me a memória de um vestido azul encardido, de dois joelhos arranhados, de um raspanete da minha mãe e de uns bichos-da-seda com uma cara estranhíssima, mas sedosos. Com um cheiro inigualável que ainda hoje recordo quando abro uma caixa de sapatos. Uma tarde linda, cheia de inocência.

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