Envolta naqueles tecidos macios nada mais lhe ocupava a memória senão as noites passadas ao relento. Hoje o dia fôra diferente. Alguém caridoso tivera a amabilidade de a levar para um recinto fechado. E este era pequenino, acolhedor, nada comparado com o armazém dos bombeiros voluntários.
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O olhar perdia-se facilmente noutros pensamentos enquanto contemplava as chamas que se erguiam dos toros de laranjeira. A infância marcada pelos banhos felizes dentro dos alguidares muito largos. A pré-adolescência ainda na escola sempre com o escalão A para ajudar. A juventude esquecida em detrimento do trabalho duro. Os vinte dedicados à má-vida. Os trinta... esquecera-os por completo. O que teria feito durante estes últimos 13 anos? Não tinha memórias... Mas o lume mostrava-lhe, agora, que sentia o seu calor, que afinal existira uma vida além daquela que escolhera, há muitos anos atrás.
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Perdera a esperança, mas hoje, que alguém lhe estendera a mão, acreditava que era possível fazer melhor. Que era possível, inclusive, voltar a acreditar nalguma coisa. Fora o calor que lhe conduzira os pensamentos neste sentido. O calor das chamas da lareira, dos tecidos macios e tépidos em que se enrolava, da sopa condimentada e bem quente, do amor gratuito que recebera das mãos de alguém. E agora sentia-se mais quente. Mais poderosa para enfrentar o dia seguinte. E sentia-se decidida a recordar o que a levara, há tantos anos, a escolher as ruas da amargura para habitar.
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