Era de noite que se encontrava com os problemas. Marcavam encontro sempre para depois das 23h, dizia-se ser mais seguro. Não gostava de ser visto com os seus problemas. Depois era um falatório que já se sabe. E por isso, de dia, andava sempre feliz e contente. Trazia frequentemente nos bolsos um sorriso para oferecer àqueles com coração de pedra. Mas depois o sol descia, a noite crescia e com ela a solidão, os problemas, a dor.
No lugar do coração nascia-lhe um cacto de espinhos finos e metediços, que lhe chegavam a trespassar a alma. Da luz que transportava de dia brotava uma escuridão fria, triste, castradora.
Nas conversas com os seus problemas, diziam-lhe que se queria fazer de vítima, que era só uma questão de iluminação interior, que não havia nada de errado. E a verdade é que se sentia especial, com os seus problemas.
Mas depois o sol voltava a nascer, pouco antes das 07h. E ele voltava a sentir-se só mais um. Sem problemas. Só mais um grão de areia, neste deserto estéril.
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