30.11.04

Joaninhas e outras lembranças

Hoje uma joaninha esteve tranquilamente pousada na minha mão esquerda. Uma eternidade, do ponto de vista joanês. 15 minutos, para ser mais precisa. Foi delicioso. Há ano que não via uma tão perto. Soube tão bem como apanhar bolotas de azinheiras, roubar ao zambujo uma rama e ouvir estórias de encanto e desencanto à beira da lareira. Soube tão bem quanto isto. Senti-me crescida, mas infinitamente grata por poder usufruir de momentos tão raros como estes.

Condições de Admissibilidade

Recuso-me a fazer parte desses grupos de pessoas com maus instintos. Não quero sentir o pessimismo desses que andam por aí a vampirizar a alegria dos outros. Rejeito, terminantemente, a hipótese de me tornar nisso, de ser infeliz. Por isso, e respeitando os caminhos traçados por cada um, peço que, caso transporte no peito as agonias de um mundo que desconheço, que o deixe lá fora, ao pé do tapete onde limpa os pés. Cá dentro só é permitido comer boletas acabadas de assar no meio de brasas escaldantes. Eventualmente, poder-se-ão contar histórias que só as pessoas de 80 anos sabem contar. Obviamente que isso obrigará a um extremo bem estar, que só conhecerá não trazendo dentro do saco os conceitos pré-concebidos. Quanto ao resto, por favor deixe lá fora.
Obrigada,
Pela gerência.

29.11.04

E fomos devagar

Cabelos ao vento, casaco de cabedal e prego a fundo. Podia ser este o cenário, mas não me apetece acelerar muito... Vamos de carro! Apetece-me ir devagar, numa quinta confortável, sem manobras impulsivas, vamos sentir as curvas na sua totalidade, sem as cortar. Vamos assim, devagarinho, para que o tempo seja maior. Só para nós. Vamos com a música mais alta, para que o vento que entra pelas janelas, esbaforido, não nos interrompa a calma. O que é que trazes? Pode ser o de sempre! Dire Straits, Pink Floyd, Xutos, Represas, Heart, Sade... Olha! Traz Mafalda Veiga! Apetece-me ouvi-la na tua companhia! Pelo caminho podemos parar, comer umas fatias daquele pão maravilhoso! Vai ser bom, meu amor! Partimos ao entardecer! Adoro a cor do céu nessa altura! Vai ser tão bom! Mas vamos devagar! Para podermos disfrutar mais devegar do prazer desta viagem de sabores diversos! Vamos sentir o sabor do vento fresco da serra, das verdes paisagens alentejanas e do ar puro do nosso amor! Mas vamos devagar... assim... devagarinho...

25.11.04

Viagem Romanceada

Vou fazer uma das minhas coisas preferidas. Viajar bem acompanhada. E vou poder contemplar esta vida preciosa, rara e profundamente divina da janela do carro. Ao meu lado levarei a personificação do amor e da felicidade. Boa viagem para nós!..

24.11.04

23.11.04

Estados

Sinto-me tão serena que julgo estar para explodir uma vaga forte dentro de mim. Estou tão tranquila que chego a gargalhar da agitação patética dos outros. Patetas! Se soubessem o quanto é bom estar em paz connosco e com o mundo... ! Que venha a vaga tremenda, e me arranque do peito esta tranquilidade e a espalhe pelo mundo dos tontos marionetas. Bem precisam.

Hoje,

o Céu está mais azul... eu sinto. Fecho os olhos, mesmo assim... eu sinto.*
às vezes, escrever é assim. estar e não ser. noutras vezes sou mais do que realmente estou. hoje sou uma galera feita de papel. que navega debaixo do azul celeste. e sinto que vou longe, nesta embarcação de gente grande. e ainda me sinto pequenina, verde, longe de largar os ramos da árvore que me sustenta. vai demorar até que sinta ou presinta o melhor de mim. falta-me o rebuçado, para estar no ponto dele.
e os pássaros. as folhas. o sol. o mar. as fogueiras. o cheiro dos chorões das noites da praia. os gritos das gaivotas tontas. o céu mais azul. eu sinto. se pudesse ouvir-se o meu riso. se as palavras não fossem fruto de mim... e o vento, que leva as folhas para longe, para essa praia onde sentimos, tantas vezes!, o cheiro único dos chorões das dunas!
às vezes, escrever é assim. um completo desnorteio na navegação da vida. e a galera que hoje me conduz não sabe o caminho pelas estrelas. vai pelo vento, pelo cheiro e pelo céu. que hoje está mais azul. eu sinto. e mesmo que os olhos se fechem, eu sinto.

*excerto de "Rosa", música de Rodrigo Leão, pela voz de Rosa Passos, in Cinema.

21.11.04

Limbo

O meio termo sempre me proporcionou melhores memórias. Não sei decidir entre o dia e a noite. Prefiro o início das manhãs e os finais de tarde. Entre o bem e o mal, escolho sempre o mediano. Entre o preto e o branco, quero o azul, o vermelho, o verde, o laranja. Entre o ontem e o amanhã, sou mais o hoje. Das músicas, prefiro a melodia à letra. Das sandes, prefiro o fiambre ao pão. Dos filmes, prefiro a mensagem ao argumento. Das paisagens, prefiro a companhia ao horizonte. Das viagens, prefiro os momentos vividos aos diários de bordo. Das pessoas, prefiro a marca que deixaram em mim àquilo que são.
Os extremos não me atraem. Vivo devagar. Saboreio os paladares do meio. Vivo meio cá, meio lá. Num limbo constante. Numa corda bamba inquieta. E nunca estou satisfeita.
Devo ser uma pessoa chata. Que não testa os limites. Provavelmente, serei.

19.11.04

Abraços

Por muito que me esforce, nunca sei como desejar o melhor para aqueles que amo. E acabo sempre por permanecer embrulhada nas piores palavras para a situação. É tão mais fácil dar um abraço apertado!
[quem me dera abraçar o mundo inteiro!]
Bom fim-de-semana!

18.11.04

Magia

À partida, não existe nada de mágico em deixarmo-nos ficar confortavelmente sentados numa cadeira grande. à partida, porque se sacarmos de um bom livro, se colocarmos no ar um som especial, se dermos um trago no doce licor, então tudo ganha outra dimensão. Ficar sentado numa cadeira transforma-se num momento mágico. Quase sublime.
Hoje vivi um momento assim.

Luis_Duverge*

"Gostava de saber como é a inocência do futuro que antecipas."
Colher flores nunca fora o seu forte nas lides do campo. Preferia antes observar as borboletas que, numa calma absurda, conquistavam espaço no céu, nas flores e nos seus olhos. Era bonito adivinhar-lhes o próximo voo. Mas jamais conseguira antecipar-lhes o movimento. Porque a terra gira e a vida não pára. Mas continuavam a ser gestos não premeditados, inocentes e belos. Muito belos.

"Dá-me um pouco da tua felicidade, do teu dia, da tua cidade, do teu olhar..."
Transformo-me todos os dias numa página de livro. Cuspo palavras soltas, interpreto atitudes, deixo fluir o pensamento. E esta cidade cheia de maus cheiros onde vivo só me consegue oferecer melhores recordações do que o amanhã. Será sempre bom olhar para trás assim. Adivinhando um futuro feliz.

"Onde é esse lugar inocente, aqui na Terra?"
Dentro dos outros que encontro por aí. Nas mais belas palavras de amor que ouço. Nas mais contagiantes melodias que escuto. No mais puro sorriso dos que me são queridos. Na bondade, na partilha, na cumplicidade e na tolerância. É mesmo aqui ao lado.


*Comentário deixado no post anterior

17.11.04

Hoje,

que recordo o ontem, sinto-me muito mais feliz! Até as folhas recortadas de Outono me pareceram troçar do vento na sua descida leve até à realidade. E os sons urbanos parecem-me mais consonantes com os campestres. E assim, hoje - que recordo o ontem - parece-me que o Mundo está mais bonito e que eu sou mais feliz.

15.11.04

Surrealismo

Quando entrei na sala com as bebidas já ele contemplava com espanto o quadro de Dali. Nunca percebi a demora dos olhares naqueles traços. Não faria mais sentido se olhasse para mim, uma vez que era esse o motivo da vinda?
Quadros na parede... tão longe da realidade, tão longe do sabor das minhas mãos...
Um trago de wiskey, um aclarar da voz, um olhar quase surreal e o Dali estava em mim. E a luz indirecta rodou sobre nós dois, numa pintura altamente real. Preenchida de cores amargas e cálidas.
Um rodopiar de carne, um grito de querer infinito e uma noite doce e fresca.

Tranquilidades

Pode ser verdade. Este espaço pode ser tranquilo para quem o lê. Ainda bem que não se vê o turbilhão de emoções. Ou ver-se-ia um rodopiar de cores vivas, com ventos fortes a refrescar a noite de quem o lê.

12.11.04

Quero ser homem,




só esta noite, para que, desta vez, seja eu a penetrar-te o corpo e a alma. E que seja eu a agarrar-te os cabelos soltos na loucura do prazer.

Pressa na calma da espera

Cheguei à paragem do autocarro e não estava ninguém. O sol que batia de frente convenceu-me a ficar sentada no banco desconfortável da espera. Peguei na pequena "Em Cena", desfolhei página a página, saboreando cada momento das palavras e das ilustrações. Senti-me, de repente, muito acompanhada. Sobretudo pela vida que me vem perseguindo nos últimos meses. E senti-me bem.

Deve ser estranho, nos dias de hoje, oferecer-se o lugar a pessoas mais velhas e cansadas, porque os comentários acerca da minha pessoa foram largos, depois de o fazer a três senhoras avançadas na idade. Comentaram também o cigarro que fumei na espera do autocarro. E a camisola que trazia vestida. E a minha bondade em levantar-me para ceder o lugar.

Pouco passou até que ficasse rodeada de miúdos com mochilas pesadas, jovens de livros debaixo do braço, mais senhoras de sacos na mão, homens com ar preocupado. Só o percebi quando a leitura da "Em Cena" findou. Em segundos alternados, espreitavam cabeças em busca do tão esperado autocarro. Olhares impacientes na calma da espera.

Eu gosto de esperar, quando estou acompanhada deste sol que me amorna, desta vontade de viver que me persegue e de uma boa injecção literária. Mas eles não. Estavam mesmo chateados. Impacientes, com pressa, na calma da espera.

11.11.04

Palavras na pele

Se pudesse, tomava banhos de imersão com folhas de papel de livros antigos. E deixaria a marca das palavras bonitas no meu corpo.

10.11.04

Leveza existencial

Se nos deixássemos flutuar ao sabor do vento, numa queda virtiginosa até ao chão, como folhas vermelhas de Outono, saberíamos também aterrar suave, desprendida e tranquilamente na terra quente de Outono. Sejamos folhas. Ligeiras, libertas, serenas. Nunca pedras.

8.11.04

Toca-me,


mesmo daí, de longe. Onde as estrelas não são astros, mas a luz dos teus olhos. Toca-me, profundamente. Sem receio ou rodeios. Toca-me.
Pro-fun-da-men-te.

7.11.04

Sabores envelhecidos

Não sei ler nem escrever mas - valha-me isso - ainda sei pensar. E ainda sei reconhecer as pessoas pela voz, embora me falhe já a visão. Sei quando és tu que sobes as escadas. Mesmo quando apertas as chaves entre os dedos, para não tilintarem, sei que és tu porque ninguém coloca um pé à frente do outro como tu. Conheço-te o andar, o trautear e a respiração cansada.
Raramente me diriges a palavra, mas... como te compreendo! O que haverá ainda para dizer depois de tantos anos juntos? Não te censuro - admiro-te. Admiro que ainda tenhas forças para subir as escadas. E qua ainda tenhas alegria para trautear cantigas da nossa juventude. Às vezes sinto-me só, neste corpo de velho amargo. Sei que nem sempre te disse as coisas bonitas que as mulheres bonitas merecem ouvir. Mas agora... já mal consigo soletrar o teu nome... Te-re-sa...
Gosto muito quando ligas a televisão à espera que eu me entrenha. Acho-te graça!!! Parece que ainda não percebeste que já só vejo a luz, mas não distingo os contornos. Sabes, aprendi a circular dentro de casa de olhos cegos. Tantos anos depois, seria de esperar que já soubesse onde ficam os móveis. Só espero que não te lembres de os mudar de sítio. Bem... com a tua idade, ninguém teria coragem de arrastar aparadores pela casa fora!!!...
Gosto de estar contigo. Mesmo assim, amargo, quase azedo. Tu serás sempre doce. Sempre foste. Só preciso que me abraces. Que me abraces. E que eu sinta nesse abraço a força do teu existir, que me sustenta, dia após dia. E quando as palmas das tuas mãos se encaixam no meu pescoço, para me alimentares, sinto que nada seria se, um dia, não me tivesses ensinado a amar. Mesmo que a vida seja amarga. Quase azeda.

5.11.04

Amanhã, na escadaria, junto ao mar.

Foi o último encontro furtivo a que se atreveram. Desta feita, haviam decidido encontrar-se ali mesmo, ao lado do barco encalhado há anos naquela praia. A desculpa dada pelos dois foi a mesma de sempre - "vou só dar uma voltinha à praia, para arejar". E, de facto, era aquela praia que lhes servia de escape ao mundo real. Roubado à falésia, aquele curto areal servia-lhes para se sentirem um ao outro. Uniam sempre muito os corpos numa quase fusão carnal. Tocavam-se com languidez. Respiravam o pescoço um do outro, numa vontade sôfrega de consumo. Encontravam-se com frequência. Mas sempre sem promessas de encontro. Adivinhavam, apenas, a presença do outro naquele lugar. Amavam-se sem promessas de amor eterno. Sem o peso do futuro. Eram furtivos, os encontros, e assim queriam que continuassem.
Naquela manhã, em que se amaram mais que noutras, ele deixou-a com um sussurro: "Vejo-te amanhã, na escadaria, junto ao mar".
E, no dia seguinte, ela esperou. E desejou, sozinha, que nunca mais lhe prometessem a felicidade.

Ausências

Só na tua ausência percebo o quão enraizado estás na minha vida. Só na tua ausência pressinto a falta que me farás um dia, numa ausência definitiva. E só assim entendo o poder da presença.

2.11.04

Cumplicidades

"Não sei se é do suão, do grego ou dos alísios, mas ando com uma dor nas costas!" - lamentou-se a velha árvore. "Hum... se calhar é da idade, pá!" - afiançou a velha pedra. "Talvez seja, mas ando com uma pontada estranha aqui no 15º ramo que me anda a tirar o sono" - retorquiu a primeira. "Insónias?" - perguntou a segunda - "então experimenta teres sempre alguém sentado em cima de ti e logo me contas o que é não conseguir dormir!"- concluiu. "Ai, ai... - suspirou a árvore envelhecida - o que eu queria mesmo era poder ir à praia, conhecer o mar, mergulhar os meus ramos e folhas naquela imensidão..." "Ai, sim? - ironizou a grande pedra - então depois logo me contas como é ser cortada em fatias, transportada em camiões, tratada em fábricas, trabalhada em estaleiros, transformada numa forma côncava, carregada de homens e carga e ser lançada ao mar." "Tu és tão cruel!" - choramingou a grande árvore - "Deixa-me sonhar e ser gaivota por um dia!" "Sonha, minha cara, sonha!" - exclamou, já exaltado o pedragulho - "mas deixa-te ficar aí de pé que fazes-me falta." "Como?" - perguntou a queixosa - "Sem a tua sombra ninguém se sentará em cima de mim. Deixarão de cravar em mim os amores de Verão. Serei apenas mais uma velha, grande e poderosa pedra."
[pausa]
"Ai, ai... Não sei se é do suão, do grego ou dos alísios, mas ando com uma dor nas costas!" - recomeçou a velha, sabedoura e companheira árvore.

1.11.04

Ser tia, I

És uma flor, minha querida!
Sou tia? Qual?
Hum... um mal-me-quer amarelo, com muitas pétalas!
(gargalhada)
E eu? Que flor sou?
Tu és uma rosa, tia! Vermelha!
Sim?!? E o tio?
Hum... o tio é fofo!

Derreti-me.

Roxo sobre Azul

As nódoas roxas das amoras nunca saíram do vestido azul que trazia naquele dia. As memórias cor-de-rosa também não. Lembro-me que vos levei dentro da caixa de sapatos até à amoreira mais próxima que ficava tão longe, naquela altura. Vocês estavam esfomeados e a alface nunca fora uma boa opção. Levei-vos comigo para que, depressa, pudessem saciar a fome. Alcei a perna, arranhei o joelho esquerdo na subida e o direito na descida. Apanhei-vos as folhas, meti-as na caixa e observei-vos durante alguns largos (tão largos!) minutos a mordiscarem lentamente o verde. Depois deixei-vos à espera no chão. Voltei a alçar a perna, desta vez para comer as amoras, grandes e gordas, suculentas.
Fui tão feliz!
Dessa tarde ficou-me a memória de um vestido azul encardido, de dois joelhos arranhados, de um raspanete da minha mãe e de uns bichos-da-seda com uma cara estranhíssima, mas sedosos. Com um cheiro inigualável que ainda hoje recordo quando abro uma caixa de sapatos. Uma tarde linda, cheia de inocência.